terça-feira, 18 de outubro de 2011

Como que se esquece alguém que se ama

Como é que se esquece alguém que se ama?
Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver?
Quando algém se vai embora derepente como é que se faz para ficar?
Quando algém morre, quando alguém se separa como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já não está mais lá?
As pessoas tem de morrer; os amores de acabar.
As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe um dos outros, os tempos têm de mudar, sim, mas como se se faz?
Como se esquece?
Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se derepente, a outra pode ficar-lhe para sempre.
Podem pôr-se processos e ações de despejo a quem se tem no coração?
Fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar derepente, Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar.
A primeira parte de qualquer cura, é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor.
De cabeça ou do coração, ninguém aguenta estar triste.
Ninguém aguenta estar sozinho.
Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas, mas a tristeza só há de passar
entristecendo-se.
Não se pode esquecer alguém antes de terminar de lembrá-lo .
Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma.
A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada.
É uma dor que é preciso aceitar, primeiro aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa, esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução.
Quantos problemas no mundo seriam menos pesadas se tivessem apenas o peso q têm em si, isto é, se o livrássemos da causa que lhes damos, aceitando que não tem solução, não adianta fugir com o rabo a seringa.
Muitas vezes nem há seringa, nem injecção, nem remédio, nem conhecimento certo da doença de que se padece.
Muitas vezes só existe a agulha, dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir mais temos mais tarde de enfrentar.
Fica tudo a nossa espera. Acumula-se tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte.
Os momentos de esquecimento, conseguidos  com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar para esquecer.
Para esquecer é preciso deixar correr o coração de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso

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